quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Mentiras, nada mais.

"Mas também era verdade que só quando o sol me alcançava é que eu mesma, por estar de pé, seria uma fonte de sombra."
Clarice Lispector


Naquela noite ainda, a febre conseguiu cessar um pouco e pude reorganizar as ideias. E na manhã do outro dia eu já estava bem melhor. As forças estavam aos poucos retornando. No entanto, pedi que Morena avisasse a todos que eu não estava de fato totalmente recuperada da minha “indisposição” e que preferia tomar o café no quarto;
- A menina está sob meus cuidados senhora. Não se preocupe. Não há necessidade de chamar médico algum. Eu tenho tudo sobre controle. Amélia só precisa de uma boa canja de galinha, que já estou providenciando. Ela deve ter comido algo lá pelo baile que não fez bem... sei como é essas comidas de festa! Sem sustança nenhuma e feita as pressas! – Morena afirmava tão seriamente que ninguém poderia contrariar.
- Tudo bem Morena. Faço isso por você. Não por Amélia. Essa menina está muito mimada. Você tem que parar de fazer sempre o que ela quer! Sairei agora, mas quando eu retornar, teremos uma conversa muito séria! E se ele continuar com essa indisposição, serei obrigada a chamar um médico! Ah, avise a Amélia que hoje teremos um jantar importantíssimo aqui em casa. Os pais de Heitor vêm nos visitar e ficarão para o jantar. Estou saindo para comprar os últimos ingredientes que faltam para o jantar... quero que avise a todos os criados que deixem tudo preparado! Faremos um lindo jantar hoje Morena!
- Deixe Amélia descansar mais um pouco Margarida! Se ela não está bem deixe-a! Morena sabe bem o que faz! No final da tarde verás que nossa flor já estará com toda sua saúde recomposta! Não a nada que a canja de galinha de Morena não cure! – Respondeu papai ao fundo. De meu quarto eu pude ouvir toda a conversa.
Com um sorriso forçado, Morena assentiu.
- Sim senhora, estará tudo como à senhora gosta, com licença. Vou ver se a menina está precisando de algo.
Estava quase dormindo quando Morena entrou no quarto como um raio;
- Amélia! Virgem Santíssima! Menina! Acorde!
Num sobressalto, levantei-me.
- O que houve Morena! Quase me mata! Assustei-me!
- Menina! O que fizestes a Deus para receber tamanho castigo? Hoje seus futuros sogros vêm para o jantar! E sua mãe não está nada contente de saber que você não desceu para o café.
- É eu sei. Pude ouvir a conversa de vocês daqui do quarto. Não sei o que fazer! Morena, algo me diz que nesta noite de algum jeito Davi virá me ver. Eu sinto!
- Deus do céu Amélia! Não diga uma coisa dessas! Deus não permitirá uma tragédia como essa! Se esse moço encontrar Heitor aqui, nem posso imaginar o que se sucederá!
Nesse momento eu entendi. Morena sabia de mais alguma coisa que eu não tinha conhecimento. Como ela poderia saber que Davi detestava tanto Heitor? Em seus olhos eu podia enxergar tamanha indignação. Havia um medo difícil de explicar. Como se também uma parte do mesmo passado pudesse assombrar eu e ela ao mesmo tampo. Eu não tinha tempo a perder, cada segundo sem uma explicação plausível era uma tortura para mim.
- Morena... há algo que eu não sei? Você está apreensiva demais. Sabe de algo?
- Menina! Claro que não! Acaso soubesse, nunca hesitaria em te falar! – o pânico se instaurou de uma maneira, que estava praticamente estampado em seu rosto e dificílimo disfarçar.
- Morena... definitivamente você não sabe mentir. Sente-se. Pode contar-me tudo, sem rodeios, por favor.
No final da manhã o que me Morena me contara havia acabado com meu espirito. Foi torturante. Houve momentos em que senti vontade de vomitar. Agora sim, eu compreendia a rebeldia de Davi ao tocar no nome de minha mãe.
De fato, ela sabia de coisas que eu não tinha ideia que podiam existir. Era um passado negro aquele que me rodeava. Negro e cheio de vingança.
Mamãe fez sua grande boa ação a Dolores, emprestando a ela dinheiro para que pudessem ir a Portugal a procura de novas oportunidades, durante meses felizes pude comunicar-me com Davi através das cartas, que de uma maneira inexplicável pararam de chegar. O que eu não sabia era que minha mãe tinha obrigado a Morena a ficar com todas as minhas cartas que enviava. E que fizeram com que o padrasto de Davi também o obrigasse a deixar de escrever. Mamãe sabia muito bem como conversar a língua universal dos cobiçadores; dinheiro fácil. Para ela era tudo tão bem simples. Por mais que papai se esforçasse em manter um padrão de vida, diante de todas as adversidades que a falência havia nos trazido, mamãe nunca conformou-se; era sempre esbanjadora e mesquinha. Agora seus investimentos eram tão fáceis de entender. Mandava todos os meses uma gorda quantia ao padrasto de Davi para que o calasse.
Morena me contava aos prantos o quanto ela se sentia mal quando pegava minhas cartas. Eu contava ela sempre para que pudesse junto comigo, no entanto, não me sentia traída. Eu sabia o quanto ela gostava de mim, e o quanto ela precisava estar ali para que pudesse sustentar sua família.
Eu me sentia traída por outra pessoa.
Morena me contou que Dolores morreu logo após que Davi entrou na faculdade. Ela sabia disso porque o velho padrasto de Davi mandava sempre “relatórios” com tudo acontecia com ele. E que ainda assim minha mãe mandava a quantia exigida pelo padrasto. Há algumas semanas atrás mamãe tinha recebido um telegrama dizendo que o velho também havia morrido; havia então caído por terra a grande mentira, no entanto, ela sem poderia se preocupar com Davi. Ela com certeza saberia que nunca ele seria capaz de voltar e se acaso retornasse eu já estaria plenamente casada com Heitor; estava feita a trama. Estava acabada a minha vida.
Porém mal ela poderia imaginar. Ele havia retornado pronto para levar-me longe dali.
Criei então forças. Não poderia mais ficar enterrada em uma cama enquanto milhares de injustiças tinham sido cometidas. Era demais para mim. Por mais que eu fosse espiritualmente fraca, desajeitada, inocente, o que minha mãe havia feito me embrulhava o estômago. Pagar a um padrasto para que cale a boca de um menino! Quanta barbaridade Davi havia escutado durante todos aqueles anos de tortura! Com toda certeza ele saberia que era minha mãe e mentora de todas as ideias perversas.
Foi então que decidi. Eu não passaria mais nenhuma noite no mesmo teto com aquela que um dia chamei de mãe.



2 comentários:

  1. Oiiiii.....tudo bem linda?
    Hein, tem uma entrevista legal lá no meu blog..pega lá pra vc tmbm
    É bem interessante..beijão

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  2. Querida! Está feito, adorei responder essa estrevista! ;)

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