quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Restos de Baile.

 "Mas não quero te ferir. Só pretendo restaurar a confiança em mim, que vacilou quando surgiste."
Virginia  Woolf

Da solidão que Davi me presenteara naquele instante no jardim só restou o medo. O que eu vira em seus olhos estava além do que poderia entender; era um misto de tudo que eu mais temia durante toda minha vida. Eu pressentia que havia mais segredos entre nós do que um simples empréstimo de dinheiro que minha mãe “gentilmente” concedia a Dolores. Entre os meses cinzentos em que deixamos de nos corresponder aconteceram fatos que iriam nos visitar novamente, como fantasmas errantes. O passado realmente ressuscitou para nós; agora nem eu, nem Davi tínhamos certeza se poderíamos exorciza-lo.
Sentei-me por um momento próximo ao canteiro das margaridas. E em questão de minutos, Heitor se aproximara. Sorridente, espontâneo, e cheio de esperanças. De fato, ele era um futuro promissor;
- Ah, enfim a encontrei meu anjo! Você sumiu! Já estava preocupado! Amélia! Você está bem? Está pálida! Viu algum fantasma?
Incrível era a capacidade de Heitor em entender meus sentidos...
- Nada querido... só necessitava de um pouco de ar fresco. Já me recompus... mas estou um pouco indisposta, eu agradeceria muito se pudesse me levar em casa agora.
- Agora? Mas Amélia! Ainda nem pude apresentar uns conhecidos a seu pai! Alfredo muito me agradeceria  se eu pudesse junto com ele firmar novos contatos...
- Você pode voltar. Papai queria mesmo lhe falar...
- Mas se você preferir... posso deixar essa conversa toda para um outro momento! Você é minha prioridade querida, se está indisposta posso deixa-la em casa e ir descansar também. Um baile sem você não tem a menor graça para mim... – Não pude deixar de sorrir naquele momento, Heitor era de fato um anjo da guarda.
- Tudo bem. Faça então do jeito que preferir. Só preciso encontrar com mamãe e lhe avisar que estou voltando para casa. Ajuda-me a procura-la?
Logo após eu estava dentro da carruagem a caminho de casa. Mamãe confiava em Heitor mais até do que em mim, e por mais que diante dos parâmetros da nossa sociedade, ainda feudal, fosse contra um rapaz e uma moça saírem sozinhos sem os pais, ela não se importava nem um pouco de me ver sair dali com Heitor sozinha. Ela sabia que ele seria incapaz de tocar em mim acaso eu não permitisse. Da janela do palacete ela nos acenava, torcendo para que essa minha indisposição fosse passageira.
O caminho até minha casa foi torturante. Nas ruas de Fortaleza, nos rostos de estranhos, eu via Davi. Parecia-me que ele estava nos vigiando, perseguindo, prestes a aparecer no meio da rua pronto para cometer um maluquice. Eu sentia sua presença em todos os lugares. Minha felicidade era que estávamos bem próximos de casa, e em poucos instantes já me sentia aliviada em reconhecer as residências de nossa vizinhança.
Desci rapidamente da carruagem caminhando tão rápido que Heitor mal conseguia me acompanhar:
- Amélia! O que há!? Está me deixando preocupado!
- Nada. Não me estou sentindo muito bem... pode ir. Morena me fará um chá. Logo estarei bem. Amanhã nos falaremos. – e entrei a passos largos para dentro de casa.
Morena é minha babá. E uma das poucas amigas que eu tinha. Trabalhava na nossa casa desde sempre; era minha segunda mãe. Mais um anjo cuidador em minha vida. Eu me considerava uma pessoa de sorte por tê-la por perto sempre, em qualquer instante ela sempre estava à disposição para qualquer coisa que me acontecesse.
- Morena! Morena! Ajude-me! – aos prantos eu gritava jogada no chão da sala. E em como num passe da magica, ela apareceu. Como nos contos de fada.
- Menina, o que aconteceu! Você está pálida! Conte-me! Amélia! Você está ardendo em febre! – morena me segurava no colo, junto ao chão comigo. O calor do seu corpo fez com que aos poucos eu pudesse me recompor. Em instantes, de ternura e cuidado, pude enfim lhe revelar;
- Ele voltou Morena! Davi! Voltou para me perseguir! Estou com medo, Morena! Não sei o que vai acontecer caso ele encontre Heitor!
- Virgem Santíssima! Pensei que essa história a estivesse encerrada há anos! Você o viu no baile? Meu Deus! Que tragédia!
- Morena... – aos prantos, e tremendo com o frio que a febre me trazia, confessei – ele quer que fujamos... para longe! Quer que eu abandone tudo e me vá! Estou com medo! Morena e agora? O que será de mim! Ele virá me buscar!
- Menina, levante-se... vou fazer um chá para você. Vamos para o quarto. Você tem que descansar. Sua mãe não vai gostar nada de saber que esse menino voltou. Vou ajuda-la. Nesse momento você está segura.



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